CRÔNICA DA SEMANA de Carlito Lima “SONHO DE CONSUMO”

Carlito Lima é escritor alagoano, engenheiro civil, produtor cultural e boémio

SONHO DE CONSUMO

Comemorando seu aniversário de 20 anos na Barraca Pedra Virada, Antônia conheceu Tonhão. Deu-lhe um frio na barriga, uma química inesperada nos hormônios, uma vontade louca de abraçar-lhe, beijar-lhe. Foi o melhor presente aparecer aquele homem bonito, moreno, alto, forte que se tornou a grande paixão. A recíproca foi verdadeira, Tonhão empolgou-se no primeiro instante com a linda e sorridente morena. Numa coincidência dos Deuses, ele também fazia aniversário, 24 anos, no dia dos namorados, 12 de junho, véspera de Santo Antônio. Nenhum amigo percebeu aquela atração repentina. Os dois ficaram conversando e bebendo até o término da festa. Na mesma noite foram a um motel iniciando o maior amor do mundo. Os dois passaram a se ver todos os dias, viviam grudados que tem tapioca, bela pareia de jovens, comentavam. Não deu um ano de namoro resolveram casar-se. Tiveram dois filhos, Tonhão formou-se advogado, trabalhando muito em tradicional escritório, tornou-se conhecido. Nesses anos todos, no dia dos namorados, os dois cumpriam a liturgia de uma festa íntima pra lá de erótica. Durante mais de 20 anos celebraram essa noite tórrida de amor num motel.

Certo dia, Tonhão foi defender um preso em um complicado júri em Palmeira dos Índios. Seu cliente havia assassinado a esposa e o amante, crime hediondo, com requinte de crueldade. O assassino antes de matar o sedutor, cortou seus colhões com uma facada. Joana, a irmã do preso, em nome da família, contratou Tonhão por uma boa quantia. A moça além de desenvolta, bem articulada, simpática, era um belo espécime feminino. Morena de olhos escuros, olhar profundo, sensual. Tonhão ficou cativo do olhar faceiro de Joana. O assassino pegou 17 anos de cadeia. O advogado perdeu no júri, entretanto, ganhou o coração e todos os outros órgãos de Joana, a bela. Embora mais velho, se deram bem na cama, na mesa, nas conversas, coincidiram as afinidades, os valores de vida. Ela ama joias, viagens, conforto e carinho. Ele também ama as coisas caras do mundo moderno, um carrão bonito, roupas de grifes, relógios e sapatos. Não puderam esconder por muito tempo essa comunhão carnal. Tanto fizeram que houve a separação. Muito choro e depressão, foi difícil para Antônia aceitar o divórcio.

Algum tempo depois de separados, no dia dos namorados, véspera de Santo Antônio, dia das comemorações alucinantes, Tonhão marcou um encontro com a ex-esposa, precisava discutir alguns detalhes sobre os filhos. Ele levou-a a um discreto restaurante na praia de Ipioca. Conversaram bastante sobre os filhos. O amor paterno de Tonhão sempre encantou Antônia. Retornando ao centro da cidade, ao passar no corredor de motéis, Tonhão puxou o carro de lado, entraram num belo motel. Fizeram amor a tarde toda como nos velhos tempos. Antônia aceitou a situação por dois motivos: vingança contra a sirigaita e ainda gostava de ser amada por Tonhão.  Mantiveram a tradição, por mais de cinco anos, todos os dias dos namorados eles se encontravam.

Antônia, solteira, não ficou sozinha, de vez em quando saía com alguém sem compromissos, alguma aventura amorosa, guardava no íntimo a esperança da volta de seu primeiro amor, aquele que nunca se esquece.

No ano passado no dia dos namorados, Tonhão telefonou para Antônia, marcou o almoço e tarde de amor. Dessa vez ela estava fria, arredia, pediu para acabar com aqueles encontros anuais, não era correto. Tonhão insistiu em pegá-la de qualquer maneira, ansioso para mostrar seu novo carro. Depois do almoço quando se dirigia aos motéis da praia de Jacarecica, Antônia segurou a mão de Tonhão, e implorou: – “Por favor, leve-me para casa, a situação mudou, tenho outra pessoa, estou namorando firme, não fica bem. Amo o Pedro, agora é diferente, sou uma mulher honesta. Ele me ama, é carinhoso, faz café e me traz na cama, mais moço pouca coisa que eu, entretanto, é um homem maduro, ajuda em meus problemas. Além de tudo, ótimo professor na cama, me ensinou coisas que não pensei existir. Um verdadeiro sonho de consumo de qualquer mulher de 47 anos. Não fica bem, por favor Tonhão, me atenda!”

Tonhão deu a volta no carro, rumou para o Centro, sem dizer uma palavra, Antônia percebeu que lhe caiu uma lágrima, ele chorava contido, não sabia se de raiva ou de saudade por ter perdido para sempre aquele amor que foi o maior amor de sua vida.

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