CRÔNICA DA SEMANA de Carlito Lima “A CONFRARIA DO DOUTOR MILTON HÊNIO”

Carlito Lima é escritor alagoano, engenheiro civil, produtor cultural e boémio

  A CONFRARIA DO DOUTOR MILTON HÊNIO

Nelson Rodrigues, o maior dramaturgo do Brasil no século XX, pernambucano de boa cepa, foi também um genial frasista, dentre elas, uma inesquecível: “A Unanimidade é Burra”. Ainda bem que existe a exceção para contrariar a regra. Aqui nas Alagoas temos um Doutor pediatra, um jovem oitentão, que atendeu a cinco ou seis gerações de crianças, Dr. Milton Hênio Gouveia, o homem mais amado da cidade, nossa unanimidade. Ricardo Nogueira, colega da Academia Alagoana de Letras, já o canonizou, promovendo a Santo Milton Hênio, ou seja, a única alma sagrada em vida aqui na Terra.

Há algum tempo, nosso querido Miltinho, promove em uma manhã de sábado, um encontro, um Café da Manhã no Hotel Jatiúca. A Confraria do Dr. Milton reúne-se com muita alegria e camaradagem. Os membros são oitentões, figuras carimbadas da cidade, médicos, advogados, professoras, intelectuais, aposentados, desocupados, que aproveitam para desfrutar a manhã onde reina a camaradagem. Depois do saboroso Café alguns confrades tomam a palavra cerca de quatro a cinco minutos para lembrar alguma história, recitar um poema, ou mesmo colocar em debate algum assunto pertinente.

No sábado passado, Alberto Rostand, presidente da Academia, apresentou a esmerada programação da celebração dos 130 anos do poeta alagoano Jorge de Lima. Outros falaram. Em minha vez, lamentei o reduzido número de áreas verdes, parques e jardins na cidade. Informei que a Organização Mundial da Saúde estabeleceu que toda cidade deve ter no mínimo, 12 m² de área verde por habitante. Curitiba tem 55 m² p/ hab., João Pessoa 60 m² p/ hab., Recife tem 18 m² de área verde por hab. E Maceió não chega a 6 (seis) m² de área verde p/ habitante. Um dos fatores que mais contribuíram para esse cruel número foram doações de praças de uso comum, às entidades privadas. Citei uma relação de áreas do povo doadas, um crime urbano e ambiental. Terminei lamentando a ideia de cortar o Corredor Vera Arruda com quatro ruas, acabando com nosso único parque da cidade. Em seguida o historiador Douglas Apratto pegando o gancho no problema, me apoiou e foi mais adiante repelindo a ideia de trocar nomes de ruas, acabando com a memória da cidade. Recentemente um vereador apresentou um projeto mudando o nome do bairro de Cruz das Almas para “Oceano”, música mais conhecida do compositor alagoano, Djavan, que abriu mão dessa honraria declarando que amava o bairro de Cruz das Almas. Logo depois das sempre brilhantes palavras do professor Douglas, Dr. Álvaro Machado, médico, poeta, membro do Instituto Histórico, contou com seu bom humor essa história de sua terra.

– O irrequieto vereador Pedro Lúcio Rocha de Pão de Açúcar estava em seu terceiro mandato, nos anos 1970, e, apesar de ter apenas o curso primário não se intimidava em falar em públicos suas ideias. Pedro Lúcio integrava a bancada do governo, sendo fiel aliado ao então prefeito Augusto Machado, um hábil político que governava o município pela quarta vez, numa época em que não havia reeleição.  Pedro Lúcio teve seu nome citado em vários jornais importantes do país, devido ao fato de ter apresentado um projeto sugerindo a “quem de direito” que fosse realizada uma pequena mudança numa frase do “Hino à Bandeira do Brasil”. Pedro sugeriu que, em vez da frase “Salve, símbolo augusto da paz”, integrante do hino, fosse colocada a frase: “Salve símbolo Augusto Machado”, alegando que esse tal Augusto da Paz não passava de um desconhecido, um homem do qual ninguém ouviu falar nada de importante, ao passo que Augusto Machado tinha sido quatro vezes prefeito de Pão de Açúcar, deputado duas vezes, sendo pessoa bastante querida de muitos brasileiros. Pedro continuou o argumento: Falei com parentes de todo Brasil ninguém sabe quem é Augusto da Paz. Mas todo mundo conhece Augusto Machado que merece essa homenagem dentro do Hino à Bandeira. – O projeto não foi adiante, mas deu muito que falar. Álvaro Machado encerrou a narrativa às gargalhadas.

Assim são as reuniões da Confraria do Dr. Milton Hênio. Um bom café, manhã maravilhosa, carinho de amigos, conversas inteligentes e bem humoradas. Que dure por muitos anos.

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