CRÔNICA DA SEMANA de Carlito Lima “A VOVÓ DE RIACHO DOCE”

Carlito Lima é escritor alagoano, engenheiro civil, produtor cultural e boémio

A VOVÓ DE RIACHO DOCE.

Felício chegou ao entardecer, beijou Gilka na face, sentou-se na poltrona confortável e feliz da vida desembuchou com a esposa.

– Afinal aconteceu meu último dia de trabalho, aposentadoria merecida, fui um funcionário exemplar do Banco. A grana da inatividade é razoável, porém, com as aplicações bem feitas durante anos, dá para nós vivermos sem atropelos financeiros. Quero viajar, brincar com os netos, andar na orla, nadar na Academia, assistir cineminha pela tarde, ler, escrever minhas histórias, quase 70 anos, tenho muitas. Não trabalho mais para ninguém. Vou ser um feliz idoso aposentado da praia da Jatiúca!

– Ótimo, vou lhe dar uma tarefa: levar seu neto, Marquinho, toda quinta-feira das quatro às seis da tarde para a aula de inglês. – Disse a filha, Edna, ao entrar em casa, ouvindo os planos do pai.

– Terei a maior satisfação, pode deixar comigo.

Felício cumpriu a promessa, ficou em casa, caminhou na praia, assistiu à televisão. No terceiro dia de aposentado já procurava o que fazer.

Na quinta-feira, feliz, por se sentir útil, Felício apanhou Marquinhos em seu edifício. Entrou na escola de inglês segurando a mão do neto, sala ampla, onde ramificavam quatro corredores com salas de aula. Marquinhos, nove anos, esperto, logo achou sua turma, desde os cinco anos estudava inglês, um craque. O avô olhou o relógio, achou a sala aconchegante, resolveu esperar sentado numa confortável poltrona, pegou uma revista ficou a ler algumas reportagens. De repente uma senhora bem vestida sentou-se na poltrona ao lado, ele teve uma surpresa ao sentir o perfume. Percebeu que ela usava “Fleur de Rocaille”, seu perfume preferido. Amava aquela fragrância desde o namoro com Vilma, paulista de Presidente Prudente no início dos anos 70, com quem teve uma tórrida e inesquecível paixão. Quantas vezes fungou a nuca perfumada da paulista. O namoro começou assim que chegou à Macapá, aprovado no concurso do Banco do Brasil. Felício despertou do devaneio. Nesse momento baixou a revista, vislumbrou a bela senhora de idade indefinida entre 45 e 50 anos, talvez 60, quem sabe a idade de uma mulher? Sorriu e iniciou a conversa.

– Esperando o filho?

– Não, o neto. Tenho essa incumbência em trazer o Albertinho às aulas de inglês. Prefiro ficar lendo revistas, esperando a aula terminar. – Respondeu a linda coroa.

Continuaram conversando. Vovô viu a Vovó, gostou, houve uma empatia entre os dois. Ao terminar a aula, despediram-se.

Durante a semana, vez em quando, vinha-lhe a sensação prazerosa daquele perfume e lembrava aquela mulher. Por onde andava em casa, na sala, na cozinha, sentia o aroma imaginário. Na quinta-feira seguinte, tomou banho demorado, vestiu camisa nova, perfumou-se, espargiu Azarrô em seu corpo. Na escola de inglês havia um intenso movimento de alunos, pais, avós, professores. Felício ávido, procurando com o olhar percebeu a nova amiga, sentou-se perto, deu um olá, ela respondeu cumprimentando com um movimento de dedos. Logo estavam conversando. Felício se deliciava com o perfume.

Passaram-se três semanas, fizeram amizade com conversas sobre cinema, música e leitura, nada abordaram da vida particular do outro. Felício convidou Aninha, assim se chama a Vovó, para saborear um sorvete na Sorveteria Bali, ali perto, em frente à praia de Pajuçara. No caminhar ele avistou uma placa num edifício: “Aluga-se apto quarto e sala mobiliado – chave na portaria”. Felício precisava alugar um apartamento para um primo que chegaria do Rio na semana vindoura. Eles foram conhecer o apartamento. Ao se verem sozinhos, propositalmente o Vovô encostou o braço na Vovó que sentiu um choque, uma química. Aninha segurou a mão de Felício, apertou, virou-se, se abraçaram, se beijaram, deitaram-se. Felício se embriagou em tanto cheirar a mulher perfumada de Fleur de Rocaille. Deixaram o sorvete para outro dia.

Já se vão quatro meses do primeiro encontro. Tornou-se hábito, toda quinta-feira Felício deixa Marquinhos na aula de inglês, caminha ao apartamento alugado, fica a esperar. Ele alugou o apartamento para os encontros perfumados, arranjou outro para o primo. Na quinta-feira antes de apanhar o neto, toma um fortificante azul diluído em meio copo d’água. Abre o apartamento, deita-se na cama de cueca samba canção a esperar a amiga. Quando Aninha abre a porta o perfume invade o apartamento provocando uma sensação de leveza em sua alma, o aroma penetra suavemente nas narinas, vai ao âmago.  Abraçam-se, beijam-se. O Vovô funga o cangote da Vovó até a aula terminar. Fazem amor como dois idosos bem comportados, não querem compromisso. Felício mora na Jatiúca e Aninha mora na praia de Riacho Doce. Nunca se cruzaram na cidade. Só se encontram na quinta-feira, eles pouco conhecem da vida do outro. Os coroas sabem que é apenas uma amizade colorida e perfumada.

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