CRÔNICA de Carlito Lima “QUEM SERÁ O BENEDITO DA BEIJA-FLOR?”

Autor: Carlito Lima é escritor alagoano, engenheiro civil, produtor cultural e boêmio.

O Samba Enredo de 2024 da Escola de Samba Beija-Flor, começa com o refrão cantando o coroamento de Benedito:

“Aqui é Beija-Flor doa a quem doer

Do gênio sonhador, a gana de vencer

Tá no meu peito, tá no meu grito

Escola de respeito que coroa Benedito.”

Quem será o Benedito? O próprio enredo da Beija-flor esclarece:

“Uma delícia de carnaval na Maceió de Rás Gonguila”

Com um samba para lá de animado, enaltecendo a cultura popular, a Escola de Samba Beija-Flor esse ano homenageia a cidade de Maceió e um de seus carnavalesco: Benedito dos Santosou Rás Gonguila, um homem amado pelo povo, dedicou sua vida à cultura popular. Um líder em seu bairro, Ponta Grossa, criou e desfilava comandando o Bloco Cavaleiro dos Montes e durante as festas natalinas ele alegrava o povo com apresentação dos folguedos populares, pastoril, coco, samba de roda, guerreiro, chegança e outras danças da Soberania Popular.

Meu amigo era um ser humano especial, inesquecível. Engraxate com banca na Rua do Comércio; Rás Gonguila, negrão forte, alto, espadaúdo, tornou-se uma figura popular. Ele se dizia príncipe africano, descendente de Reis e Rainhas da Etiópia, fazia questão de ser reverenciado pelo título nobiliárquico africano: Rás (príncipe etíope). Sua ancestralidade vem da Etiópia e da República dos Palmares, onde os escravos fujões formaram uma comunidade na Serra da Barriga. O Negrão era bom, os clientes faziam fila, esperando a vez para sentar na cadeira na Rua do Comércio. Eram funcionários, poetas, amigos; ficavam na fila, conversando potocas. A cadeira de graxa de Rás Gonguila tornou-se ponto de encontro.

O Negrão, líder popular, era Rei na periferia, respeitado, ouvido e querido. Naquele tempo não havia associação de moradores, eles se reuniam em busca da sobrevivência, da melhoria de qualidade de vida e diversão de sua comunidade.

Certa vez, Theobaldo Barbosa, político sagaz, inteligente, coordenador da campanha para governador de Arnon de Mello (pai de Fernando Collor de Mello), falou para o chefe, que havia feito excelente contato a maior liderança dos bairros da Ponta Grossa e Vergel do Lago, um negro forte chamado Gonguila. Marcaram uma reunião numa noite de sexta-feira. O galpão lotou de gente, pescadores, marisqueiros da lagoa Mundaú, havia mais de 400 pessoas.

Arnon e Theobaldo desceram do carro. Arnon admirou a estatura elegante do líder, Gonguila vestido de branco. No momento ele esqueceu o nome do Negrão e perguntou em voz baixa para Theobaldo, que cochichou no ouvido de Arnon: Gonguila!

O Negão aproximou-se e estendeu a mão a Arnon, dando “boa noite”. Arnon ofereceu sua mão respondendo gentilmente: “Boa Noite, Seu GORILA”. Ao ouvir o nome GORILA, Gonguila ficou puto da vida, retrucou quase gritando: “ARNON, GORILA É O CARALHO! MEU NOME É GONGUILA, RÁS GONGUILA!,” Apesar das caras amarradas, alguém soltou uma salvadora gargalhada, que quebrou o gelo. Arnon desculpou-se várias vezes, deu um abraço no Negrão, conversou com os catadores de sururu, e catou os votos.

Em Maceió no domingo anterior ao carnaval acontecia o Banho de Mar à Fantasia na Avenida da Paz, com desfile de blocos, escolas de samba, troças. Depois do desfilar perante a Comissão Julgadora, Gonguila rumava para minha casa com o Bloco Cavaleiros dos Montes, onde estava esperando bebida e comida para os músicos. A orquestra tocava 3 ou 4 frevos, a juventude dançava e cantava no amplo terraço de minha casa. Em seguida saía e entrava outro bloco, até o anoitecer minha casa era uma festa.

Assim era o Benedito: não tinha papa na língua, nem se intimidava com figurões. Apesar de semianalfabeto, preto, pobre, impunha respeito por sua liderança e amor à cidade. Os nomes dos figurões daquela época estão nas placas de ruas, colégios, praças. O nome de Rás Gonguila ficou apenas na lembrança e nos corações dos seus amigos.

O poeta Jucá Santos e o jornalista Alves Damasceno nos legaram o belo frevo canção: “Evocação de Alagoas, que termina com esses versos saudosos:

“…os coqueirais de Altavilla…E o “Cavaleiro dos Montes”… Quero evocar sem demora…Na imagem de Rás Gonguila”.

Nesse carnaval de 2024 a Escola de Samba Beija-Flor vai cantar a cultura popular e a Soberania Popular do Benedito. Vai arrasar na Sapucaí com belíssimas fantasias inspiradas no folclore alagoano. E eu lá desfilando e cantando com emoção.

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