CRÔNICA DA SEMANA de Carlito Lima “NÊGO JAIME”
NÊGO JAIME
Uma das figuras mais conhecidas no centro de Maceió era o Nêgo Jaime. Forte, mais de 1,90 m, elegante, gostava de se vestir de terno de linho branco, enfermeiro da Rede Ferroviária, boêmio, calmo como um budista, contudo, não levava desaforo para casa.
Certa vez, no Bar do Relógio, ponto da boemia, de virada de noite de Maceió, dois marinheiros bêbados tomavam a saideira para retornarem ao navio. Ao avistarem o Nêgo Jaime solitário em uma mesa, um dos marinheiros, com ar de superioridade, entregou-lhe uma dose de cachaça, “Toma Negão, quero ver se você é bom”. Jaime, na maior paciência, disse que estava apenas de cervejinha, no outro dia tinha que trabalhar. O marinheiro bêbado insistiu, provocando: “Você não é homem, Negão?” Jaime levantou-se calmamente, aproximou-se do marinheiro, deu-lhe um violento murro na cara e iniciou verdadeira batalha.
Os marinheiros eram bons de briga, entretanto, Jaime ficou com o diabo no corpo. Mais de meia hora entre murros e golpes, o Negão bateu com raiva, quase mata um dos marujos. Levaram-no para o Pronto Socorro com a cara e o corpo cheios de pancadas. No dia seguinte cinco marinheiros ficaram rondando o Bar do Relógio, perguntando onde Jaime trabalhava, queriam matar o Negão. Precisou de um sério entendimento entre a Capitania dos Portos e a Rede Ferroviária. Só houve sossego quando o navio partiu.
Jaime não era desordeiro, nem arruaceiro, era debochado e gostava de umas biritas, o que atraía os provocadores. Toda sexta-feira, antes de comparecer à zona boêmia de Jaraguá, ele tomava umas cervejinhas no Bar da Maravilha. Numa dessas noites chegaram três playboys de lambreta e provocaram Nêgo Jaime, quieto em sua mesa. Ele se retirou elegantemente, deixou os provocadores, foi para os braços de Lourdinha na Boate Tabariz. Na sexta-feira seguinte Nêgo Jaime apareceu no Bar Maravilha segurando o paletó entre os dedos; ao sentar-se colocou seu paletó branco pendurado na cadeira ao lado, pediu cerveja e ficou observando o movimento.
De repente apareceram os quatro playboys fazendo a maior zoada. Ao sentarem começaram a perturbar: “Olha aí o Picolé de Onça todo de branco”. “Macaco de branco fica mais feio”. Jaime segurou seu paletó pelos dedos, aproximou-se na maior calma, nem conversou, rodou o paletó na cara do primeiro que caiu no chão, ao se levantar levou outra paletozada, ficou estatelado, o Negão virou-se e mandou o paletó num lourinho metido a James Dean que se arriou no calçamento. Desesperados, os playboys montaram nas lambretas, partiram sem destino. Nunca mais apareceram às sextas-feiras no Bar Maravilha. Nêgo Jaime mostrou sua estratégia ao dono do bar ao descosturar a manga do paletó e tirar pedras pesadas arrumadas dentro das mangas: criativo, inventou uma arma.
Jaime tinha um chamego com a Nêga Jandira, dona de um bar e de uma bela bunda. Todo ano eles desfilavam pela Escola de Samba Unidos do Poço. Jandira era a porta-estandarte; bonita, sabia requebrar sua maravilhosa bunda deixando a moçada com água na boca. No carnaval, a Unidos do Poço desfilava para valer, queria ganhar o terceiro campeonato seguido. Jandira fazia evoluções com o estandarte no ar, delirantemente aplaudida pelo povo na Rua do Comércio; ao passar pelo palanque, defronte ao Cine São Luiz, Jandira deu tudo de si. Nêgo Jaime dançando, acompanhava mais atrás sua amiga a evoluir.
De repente apareceu um popular, como disse o jornal, que não aguentou, atravessou a corda de segurança, passou a mão na bunda da Jandira e agarrou-a à retaguarda. Foi preciso Jaime destravá-lo do abraço traseiro, deu-lhe um murro, o tarado caiu de costas em frente à bilheteria do Cine São Luiz. Mesmo com esse inusitado acontecimento, como foi noticiado, os jurados compreenderam o desvario do tarado, deram à Escola de Samba Unidos do Poço o título de tricampeã do carnaval alagoano. Muito justo, afinal tinha a maior atração do carnaval, os requebros de Jandira.