BRASKEM “QUE AJUDOU A ENDIVIDAR ALAGOAS, TRIPUDIA POVO DE MACEIÓ”

Braskem, tripudia povo de Maceió

por: *Cássio Araújo 
Pontos do Pinheiro, a rua já cedeu – Foto: Divulgação

 

A cidade de Maceió outrora chamada de cidade sorriso, tornou-se desde algum tempo a cidade dos desastres causados por uma empresa que foi anunciada como a redenção econômica de Alagoas. Todavia não é isso o que vem acontecendo.

No ano de 1941 foi descoberto que Maceió tinha importantes jazidas de salgema, que serve de matéria-prima para toda uma cadeia da indústria química, como a produção de PVC, importante componente que substitui materiais como alumínio, borracha, cobre, alvenaria, cerâmica, vidro ou madeira.

Com essa descoberta veio a ideia de sua exploração e em 1966 foi criada a Salgema Indústrias Químicas S/A. Em 1968 a Union Carbide participa da empresa, que depois foi substituída pela Dupont. Em 1971 entra na empresa o BNDE (atual BNDES), que após alteração societária, em 1975, conta com a participação da Petroquisa (subsidiária da Petrobrás). A construção da fábrica começou em 1974 e iniciou as suas atividades comerciais em 1977.

O Estado de Alagoas assumiu em 1979 e 1980 dois empréstimos externos, para viabilizar o empreendimento cloroquímico, que nos valores de hoje montam quase R$ 500 milhões. A propaganda institucional da época prometia que o polo cloroquímico iria gerar mais de 100 mil empregos, entre empregos direitos e indiretos, o que deveria ser a salvação econômica da região.

Vieram os ventos neoliberais e com ele a privatização da empresa, ensejando a saída do Estado de Alagoas do empreendimento, ficando o povo de Alagoas com a dívida que até hoje paga, e os novos acionistas, que assumiram a antiga Salgema, com os lucros advindos da atividade econômica. Somando o lucro líquido dos anos de 2018 e 2019 a Braskem angariou R$ 6,7 bilhões. Com a privatização a Salgema passa a chamar-se Trikem e posteriormente Braskem.

Com a instalação da Salgema numa área ambientalmente sensível, localizada entre o mar e uma lagoa, a Lagoa Mundaú, veio de imediato a desvalorização urbanística dos bairros adjacentes, numa época em que havia uma expansão imobiliária residencial. O receio de acidente industrial, que de fato ocorreu algumas vezes, embora de não grandes proporções, consolidou a região do Trapiche da Barra e do Pontal como uma área residencial desvalorizada e sem grande apelo para moradia.

No dia 3 de março de 2018 aconteceu um terremoto em Maceió, de 2,5 pontos na escala Richter, que vai de 0 a 10, na área alta da cidade, deixando o povo de Maceió em polvorosa. A partir desse fenômeno veio para a cidade o Serviço Geológico Nacional (CPRM) e começou os estudos para identificar a causa desse fenômeno, que é raro no Brasil.

Depois de muitos estudos, várias audiências e discussões, chegou-se a conclusão que a causa do abalo sísmico foram os poços de extração mineral da antiga Salgema, hoje Braskem, empresa do Grupo Odebrecht, tida como joia de primeira grandeza deste grupo econômico.

O Ministério Público Estadual, o Ministério Público Federal, a Defensoria Pública do Estado de Alagoas, a Defensoria Pública Federal em Alagoas, ingressaram com ações pedindo a responsabilização da empresa Braskem pelo que vinha ocorrendo com a região, tendo em vista que não se resumiu ao abalo sísmico, mas constatou-se que o solo da região de quatro importantes bairros da região (Bom Parto, Mutange, Bebedouro e Pinheiro) estavam afundando e com esse afundamento colocava em risco a vidas das pessoas, tendo em vista que prédios, casas, habitações estavam com rachaduras, podendo a qualquer momento fazer com que tais logradouros viessem a desabar, ocasionando a morte de seus habitantes.

Depois de idas e vindas, com liminares e cassações das decisões judiciais concedidas, chegou-se no dia 3 de janeiro de 2020 (em pleno recesso forense de natal e ano novo) a um acordo entre o Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Defensoria Pública Federal e Defensoria Pública Estadual, de um lado, e a empresa Braskem, de outro lado, que foi homologado pela Justiça Federal de primeira instância de Maceió.

Este acordo estabeleceu que a empresa não tinha responsabilidade pelo desastre ambiental, urbanístico e humano que estava ocorrendo, mas mesmo assim a empresa Braskem iria apresentar um programa de compensação financeira para os moradores e empresários dos bairros atingidos, sendo o piso no valor de R$ 81 mil para os imóveis mais simples, contando-se neste valor o motante de R$ 40 mil a título de danos morais, a imediata realocação dos atingidos com um adiantamento de R$ 5 mil, e mais seis parcelas mensais de R$ 1 mil a título de aluguel social, para que as pessoas pudessem se retirar de imediado da região.

Contudo, esse acordo, e seus posteriores aditivos, se teve o mérito de fazer com que a Braskem assumisse sua responsabilidade pelo desastre causado, deixou todo o poder de negociação nas mãos da empresa, fragilizando a posição dos moradores e dos empresários, pois estabeleceu: a) um odioso privilégio à Braskem, pois se para um ente público que se encontrasse numa situação similar ele deveria indenizar prévia e justamente o prejudicado (art. 5º, XXIV, da Constituição), a empresa pública privatizada, agora Braskem, pode pagar quando quiser, no valor que entender devido; b) que quem discordar da proposta da empresa deve ingressar na justiça e só poderá levantar qualquer valor depois do trânsito em julgado da decisão, mesmo quanto a parte já reconhecida pela empresa (ferindo com isso diversas regras jurídicas sobre o assunto); c) a indenização (ou compensação) paga pela Braskem deve ser paga bem depois da retirada do morador ou do empresário do seu imóvel, sem data definida e nem valor acertado; d) o valor do dano moral foi tabelado em R$ 40 mil para todas as situações, pouco importando as particularidades de cada caso, assim o morador com cinquenta anos de moradia e o com seis meses de moradia só deveria receber o valor preestabelecido.

Depois do acordo, constatou-se a suspensão dos processos judiciais individuais, de modo ilegal, pelo juiz responsável pelas demandas contra a Braskem, que estão buscando discutir a questão, privilegiando mais uma vez a empresa, dando a ela um poder que legalmente não tem. Outro fato digno de nota, foi a brusca elevação dos preços dos imóveis do Município de Maceió, em razão do aumento da demanda e não aumento da oferta de moradias, variando esses aumentos de 30% a 100% dos imóveis existentes.

Para os micro e pequenos empresários o posicionamento da Braskem é ainda mais pernicioso, pois propôs um mero adiantamento de R$ 10 mil, sem qualquer custeio dos lucros cessantes, despesas de reinstalação, ressarcimento do fundo de comércio, aumento dos imóveis em decorrência do aumento da procura, não assunção das despesas do período de inatividade até a reinstalação da atividade econômica.

O que podemos afirmar é que a Braskem está tripudiando com o povo de Maceió com o beneplácito das nossas autoridades dos diversos poderes e das três esferas da federação, estando os atingidos entregues ao mar da angústia, da incerteza, do desespero, estando a jóia do império Odebrecht, que anunciou sua pretensão de venda da empresa para um grupo estrangeiro, espezinhando em cima do povo de Maceió, sem qualquer autoridade que apareça em socorro do povo.

Então é necessário que a população atingida se reúna e se organize; que marque audiências com os Ministérios Públicos Federais e Estaduais, com as Defensorias Públicas Federais e Estaduais; que marque uma audiência com o juiz do caso; que se reúna com os vereadores da cidade, com os deputados estaduais e federais e senadores, além de pressionar o prefeito e o governador. Para chamar essas autoridades para assumirem suas responsabilidades. Para que fique estabelecido que a Braskem não pode demorar mais de um mês para o estabelecimento de uma proposta para os moradores que já saíram e mais 15 dias para o pagamento do valor devido. Em relação aos moradores que ainda estão em seus imóveis, a empresa no prazo de até 30 dias, apresente uma proposta de indenização, e caso seja aceita, pague em até 15 dias. Que os danos morais sejam proporcionais ao tempo comprovado de moradia do morador, e do tempo de comércio do empresário, sendo R$ 40 mil como valor base com o acréscimo de pelo menos mais R$ 20 mil por ano, ou período superior a 6 meses.

Quanto aos micro e pequenos empresários seja garantido os lucros cessantes de todo o período, inclusive do período entre a saída da empresa e seu retorno de funcionamento, que seja indenizado todo o seu fundo de comércio, que seja assumido todas as despesas de reinstalação, que os valores da proposta da Braskem seja de imediato levantados pelo morador ou empresários, e a diferença possa ser discutido judicialmente, como acontece em casos similares com o poder público.

Sem tais providências, Maceió, de antiga cidade sorriso, será a cidade do choro, do desespero e da angústia, com o beneplácito das autoridades constiuídas!

*Cássio Araújo é procurador  Regional do Trabalho e morador do Pinheiro, área atingida pela mineração da Braskem

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

three + 19 =