CRÔNICA DA SEMANA de Carlito Lima “A FESTA DE PAFINHA”

Carlito Lima é escritor alagoano, engenheiro civil, produtor cultural e boémio

A FESTA DE PAFINHA

Ninguém sabia seu nome, que dirá sobrenome. Os amigos a conheciam como Pafinha, apelido carinhoso. Moça bonita, pele aveludada, cabelos escuros escorridos, os olhos vivos harmonizavam com a boca carnuda. Pafinha tinha a beleza da juventude e a graça de quem é feliz.

Estatura mediana, curvas visíveis, cintura fina e seios abundantes faziam dessa jovem uma mulher charmosa e atraente. Deusa calipígia morena, seu balaio bem torneado era desejo e fantasia de muitos homens.

Todos cobiçavam aquela jovem com ar de moleca sapeca. Vivia a vida como se o mundo fosse acabar amanhã. Pafinha trabalhava na Boate Tabariz, era a rapariga predileta do famoso dono da noite de Maceió, o popular Mossoró.  Nativa de Pariconha, sertão das Alagoas, sua família passava fome com a seca. Aos 16 anos, só havia conhecido miséria e pobreza. O dono das terras onde ela morava a deflorou. Como ele era casado, prometeu aos pais da jovem, uma amigação com casa montada na capital. Depois de muito discutir, os pais liberaram a filha para morar com o canalha em Maceió. Ele viajou com Pafinha num fim de semana, ao chegar deixou-a nos cabarés de Jaraguá, entrego-a aos cuidados do Mossoró, o dono de casa de mulheres mais famoso da cidade.

Tornar-se prostituta foi uma grande transformação. Cursou a Universidade da Vida. Pafinha era a mais querida do bordel, conhecia e tratava os frequentadores pelo nome. Podia ser senador, deputado, coronel ou capitão. Era o xodó de Jaraguá. Certo dia apaixonou-se por um jovem deputado, rapaz novo, iniciando a carreira política. Quando o deputado aparecia, ela corria para os braços de seu amor, largava quem tivesse ao lado.

Naquela época, em Maceió, havia um bingo nas tardes de domingo, numa área descampada do bairro do Trapiche da Barra, era a fonte de recurso para construção de um grande estádio de futebol (o atual Rei Pelé). Os prêmios convidativos: carros, camionetes e caminhões. Mossoró não perdia um bingo e levava suas meninas, comprava uma cartela para cada uma. Certo domingo, Pafinha teve sorte. Faltava apenas a pedra 27, uma torcida eletrizante entre as jovens alegres. De repente chamaram 27, foi uma explosão de alegria e abraços. Pafinha ganhou um carro IMPALA. Um conhecido senhor negociava prêmios de bingos, comprou o carro na hora. Foi dinheiro que Pafinha jamais pensou possuir.

Na mesma noite ela iniciou uma festa no bairro boêmio de Jaraguá. Todos queriam abraçá-la ou pedir dinheiro emprestado. A festa durou oito dias e oito noites. Pafinha não tinha noção de economia, seu coração solidário e generoso emprestou e deu muito dinheiro. Teve festa até na Zona do Baixo Meretrício, ela aparecia radiante pagando tudo para as companheiras de copo e de cruz na Boate Verde, no Duque de Caxias, no Sovaco do Urubu, frequentadas por estivadores, pescadores, catraieiros, os pobres amigos. Ela pagava tudo.

– O filme dinamarquês a “Festa de Babette”, ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro, conta a história de uma famosa cozinheira dos reis na Europa, depois da queda de várias monarquias, ela retornou à sua aldeia na Dinamarca. Triste por não ser mais cozinheiras de reis e rainhas, certo dia ganhou um dinheirão na loteria. Pensou o que lhe daria satisfação à sua alma. Resolveu realizar uma festa, um jantar, convidou reis, rainhas e príncipes que viviam exilados. Mandou buscar as melhores iguarias em diversos locais, preparou o mais requintado e delicioso jantar jamais acontecido na história do mundo. A Festa de Babette deu-lhe satisfação e felicidade, até que a festa acabou-se, os reis retornaram e ela voltou a ser pobre, não sobrou um tostão.

Bem assim foi a Festa de Pafinha, Uma semana de alegria e diversão. Só acabou quando ela percebeu que não havia mais um centavo do dinheiro do bingo. Ficou pobre novamente. Depois das farras homéricas, de repente, Pafinha estava despojada.

– Na praia da Avenida da Paz, no trecho mais perto do cais havia uma birosca frequentada por embarcadiços, pescadores, desocupados, desempregados e putas. As raparigas de Jaraguá ao se acordarem por volta do meio-dia vestiam o maiô e devam um mergulho na praia, se refrescando da noitada anterior.

Pafinha sempre presente ajudava a comer o delicioso tira-gosto de panã ou arabaiana, contava casos da noite no cabaré. Gosta de ouvir as aventuras de Seu Rodolfo, velho pescador, o melhor contador de historias de peixes, da mãe d’água, sereias, afogamentos, de botos salvando vidas empurrando os afogados até a praia.

Pafinha aprendeu a nadar, boiava e mergulhava se purificando ao mar até o pôr-do-sol alaranjar o céu. Depois das seis da tarde era hora de trabalho no Cabaré. A sertaneja dizia que seu destino estava naquele mar azul com matizes esverdeados.

A história da Pafinha ainda hoje é contada nas biroscas e bares de Jaraguá. Tornou-se lenda, dizem alguns que ela numa tarde desapareceu boiando no mar, deixou-se levar pela correnteza. Iemanjá veio buscá-la e a transformou em um boto que vagueia vigilante na enseada da praia da Avenida da Paz, salvando os afogados.

Há muito tempo não acontece afogamento no mar de Jaraguá e Avenida. Um boto nas águas perto do cais mergulha vigilante, empurra até a praia, salvando os banhistas desavisados ou crianças mais afoitas. Depois retorna junto ao cardume, brincando alegre com seus pareias.

À noite, nos bares do mercado e na zona da boemia, marinheiros, pescadores, contam histórias de salvamentos milagrosos. Atribuem esses milagres ao boto presepeiro, alegre e bonito. Para o povo do cais do porto, Pafinha é uma espécie de santa protetora dos boêmios, das raparigas, dos bêbados e afogados de Jaraguá.

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