CRÔNICA DA SEMANA de Carlito Lima “OS MENINOS DA AVENIDA I”

Carlito Lima

OS MENINOS DA AVENIDA I

Puxando a mais antiga memória, meu pai me levando à praia com um filho na corcunda e outro pelas mãos. Corríamos e mergulhávamos no mar tranquilo com pequenas marolas de águas cristalinas. Os moradores da Avenida da Paz eram amigos, uma irmandade. Da infância tenho gravadas as retretas da Banda do Exército no coreto da Avenida, concerto às quartas-feiras. Nós, meninos, ficávamos calados, encantados ouvindo as músicas clássicas e populares, depois começava a algazarra. Todas as noites os adultos colocavam cadeiras na calçada, tomar fresca e falar da vida do povo, enquanto nós meninos, bem comportados, sentados no chão em torno de uma tia, ouvíamos histórias de trancoso aguçando nossa imaginação. Maceió era uma festa. Os moradores da Avenida da Paz faziam parte da elite econômica e social da cidade. Porém, nós jovens éramos democratas em nossas amizades, os donos da praia, podia ser preto ou branco, pobre ou rico, moradores de todos os bairros. Nossa escala de valores era jogar bem futebol, nadar até alto mar, contar histórias picantes, ser amigo bem humorado e presepeiro. Gerson, negrinho, filho da lavadeira, era admirado pela turma por sua destreza como goleiro e suas histórias safadas contadas com graça. Um líder.

O futebol na areia era o jogo predileto. Começávamos jogando Zorra (Linha de Passe). Quando havia jogadores suficientes, dois capitães escolhidos na hora tiravam o par ou ímpar e cada qual escolhia os jogadores alternadamente, as equipes se equilibravam. O campo era a areia da praia, as traves duas estacas enfincadas no chão, não havia camisa, nem juiz, nem falta, nem impedimento, nem VAR. A bola rolava, na hora do gol corria para o abraço. Geralmente havia empurrões e briga, fazíamos as pazes depois do jogo. Se o jogo era na parte da manhã, ao acabar, mergulhávamos no mar de água transparente, nadávamos até as casas parecerem pequeninhas, às vezes ajudávamos a puxar as redes dos pescadores, o arrastão. Quando a pelada era à tarde, jogávamos até escurecer; em noite de lua, só terminava a partida com o Gol da Lua, o primeiro gol depois da lua aparecer.

No início da enseada da Avenida da Paz havia alguns trapiches. Uma espécie de cais fincado com palafitas de troncos grossos, estendendo-se mar adentro. Na extremidade do mar, havia um galpão de madeira, coberto com telhados de zinco, um trapiche, armazém de mercadorias. Quando a maré estava cheia, nós, maloqueiros da Avenida, nadávamos até o galpão, subíamos pelas palafitas ao telhado de zinco quente, onde havia uma deslumbrante vista da enseada da Avenida. De cima do zinco mergulhávamos ao mar, o corpo esticado, uma deliciosa carícia no peito, no ventre, até o impacto com a cabeça na água límpida e cristalina. Quando aparecia o vigia, todos pulavam, e nadando a molecada gritava uníssona: O galo canta… O macaco assobia… Banana de jegue… No cu do vigia! O vigia era um velhinho abusado, chegou a prender alguns dos campeões de salto ao mar dos anos 50.

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