CRÔNICA DA SEMANA de Carlito Lima “TRECHO DO ROMANCE “JEQUIÁ””
TRECHO DO ROMANCE “JEQUIÁ”
“O QUAL SERÁ LANÇADO DIA 12 DE AGOSTO ÀS 19 HORAS NA ACADEMIA ALAGOANA DE LETRAS, PRAÇA SINIMBU. TODOS CONVIDADOS”
Certa terça-feira, Dr. Bernardo atendeu uma senhora, pouco mais de quarenta anos; a filha estava com um problema, foi medicada, mas não houve melhora. A senhora pedia para que o doutor socorresse a doente de treze anos, estava delirando de febre deitada na cama em sua casa há três dias. De tão fraca, não pôde levar a filha ao consultório. Pedia pelo amor de Deus para que ele fosse à sua casa. Ao terminar as consultas, a senhora, nervosa, ansiosa, estava esperando Bernardo na calçada. Quando ele abriu seu carro, ela imediatamente pediu licença, abriu a porta e sentou-se ao lado do doutor. Nesse momento, informou que sua casa ficava na lagoa de Jequiá, distante cerca de quarenta quilômetros de Maceió. Dr. Bernardo não gostou, achou um incômodo abusivo, mas por sua infinita paciência e bondade, ele se pôs a caminho, apenas reclamou que era longe. Enquanto o carro percorria a estrada, Moema, para distrair, descontrair e sensibilizar o Doutor, contou pedaços de sua vida. Era pescadora e marisqueira. Vivia do comércio de peixe. Nasceu e cresceu à beira da lagoa Jequiá, de onde tira seu sustento. Casou-se aos dezoito anos com um pescador. Tinha amor ao Zeca de Miúda, era poeta e tocador de viola. Ela gostava de suas brincadeiras, porém o Zé tinha um defeito, era esquentado, brigava por tudo. Gostava de beber e frequentar os bares. Uma noite, houve uma briga em um bar perto de Coruripe, mataram o Zeca. Ela ficou viúva, sem filhos, mas tinha uma casinha à beira da lagoa onde mora até hoje. Chorou, sentiu muito a morte do marido, mas tinha de continuar a vida. Gosta de brincar na sua comunidade, na época do Natal ela organiza pastoril e outras festas. Dançar e cantar era com ela mesma. Certo dia conheceu um caixeiro viajante num carro velho, vendia vestido, fazenda, sapato, perfume, essas coisas que mulher gosta. O homem se enxeriu, ela topou, terminaram se juntando, ficaram morando na sua casa. Ele, toda segunda-feira, fazia compras em Maceió e saía mundo afora vendendo seus mangaios. No fim de semana, retornava à Jequiá. Foram três anos de amigação. Até que um dia ele saiu para trabalhar e desapareceu, ninguém mais soube dele. Deixou uma criança em sua barriga. Era essa filha que estava doente. Quando acabou de contar a história, o carro chegou à lagoa de Jequiá.
Dr. Bernardo não conhecia a lagoa, ficou fascinado com o cenário, um espelho d’água refletindo o céu. Entraram pelo jardim até à casa branca de duas janelas e uma porta, verdes. O piso rústico de tijolo batido. No centro da sala, destacava-se uma mesa de madeira antiga com seis cadeiras pesadas, duas poltronas e um sofá completavam o ambiente. As paredes decoradas com motivos de pesca, uma tarrafa, um quadro da lagoa de Jequiá, presente do artista Alex Barbosa, e uma folhinha marcando o dia do mês e seu santo. A casa tinha três quartos, um banheiro e uma cozinha. A parte do fundo era avarandada e havia um pequeno quintal à beira da lagoa.
— Doutor, a Jurema está nesse quarto — disse Moema, abrindo a porta.
Encontraram a jovem deitada coberta com dois lençóis, tremia de frio, febril e tossia muito. Bernardo perguntou sua idade.
— Amanhã faço treze anos — respondeu Jurema com voz trêmula.
O doutor mandou-a sentar, era uma moçona. Fez alguns exames com o estetoscópio e as mãos experientes. Chegou à conclusão, diagnosticou pneumonia. Ferveu uma seringa na cozinha e aplicou na nádega um forte antibiótico, havia apenas uma ampola em sua maleta. Deu-lhe aspirina e mandou continuar em repouso. A menina estava com fastio, recomendou sopa de carne. Foi uma consulta rápida, a experiência do Dr. Bernardo valeu. Moema fez questão que ele tomasse um cafezinho; ele se desculpou, tinha pressa em retornar a Maceió, antes do escurecer. Marcou com Moema na tarde seguinte para lhe dar mais quatro ampolas do antibiótico, amostra grátis. Perguntou se havia alguém no povoado que aplicasse injeção. Moema aplicava, fez um curso de Enfermagem e quebrava o galho de todos que precisavam de sua ajuda no povoado. Dr. Bernardo retornou a Maceió, satisfeito com ele mesmo. Gostava de atender o povo carente.
Na tarde seguinte, Moema apareceu no consultório, feliz da vida, a filha havia melhorado bastante com a medicação. Bernardo lhe deu mais quatro ampolas de antibiótico e outros medicamentos amostra grátis, ela agradeceu e retornou imediatamente à lagoa de Jequiá em sua kombi velha de entrega.
Moema vendia peixe em Maceió duas ou três vezes por semana, tinha fregueses cativos, entregava nas casas, recebia no final do mês. Passou a aparecer no consultório, levava peixe, camarão, siri, embrulhados em folhas de bananeiras. Dr. Bernardo dividia entre as outras médicas e Anita, a recepcionista. As carapebas, ele levava para casa.