CRÔNICA DA SEMANA de Carlito Lima “VELHOS E NOVOS CARNAVAIS”
“As águas vão rolar… garrafa cheia eu não quero ver sobrar… eu passo a mão no saca-rolha… e bebo até me afogar…” Ah! Como era gostoso nosso carnaval, marchinhas ingênuas, sambas românticos, faziam o compasso para folião pular, dançar; fazer o passo quando o frenético frevo mexia no fundo da alma e da mente.
Em janeiro iniciavam as festas pré-carnavalescas dos clubes: Preto e Branco, Noite do Havaí, o chiquérrimo Baile de Máscaras (fantasia ou smoking), Baile do Marujo; esquentavam os foliões, enquanto aprendiam as marchinhas do ano: “Ah morena seria meu maior prazer… passar o carnaval contigo… beijar a sua boca e depois morrer…”
Até que no domingo anterior ao carnaval acontecia na Avenida da Paz o grande Banho de Mar à Fantasia. Os arredores da Praça Sinimbu ficavam apinhados de gente pra assistirem os Blocos de Frevo, as Escolas de Samba e as “Críticas” sempre bem humoradas de nossos costumes e governos. O destaque era a irreverentíssima turma de Rubens Camelo, Alipão, Santa Rita, João Moura, Vadinho…
O Fusco era um show à parte com suas fantasias irreverentes, além de Tarzan e outros grandes foliões populares. Como era bom cair na frevança nas ruas pegando fogo, calçamento quente, acompanhando os Blocos: Vulcão, Cavaleiro dos Montes (de Rás Gonguila, engraxate da Rua do Comércio), Bomba Atômica, Pitanguinha vai à Lua… E o povão traçando tesouras com os estandartes no ar cantando e dançando o frevo Vassourinhas: “Se essa rua fosse minha, eu mandava ladrilhar… com pedrinhas de brilhante… para meu bem passear”.
Quinze dias antes do Carnaval, toda noite acontecia a Maratona Carnavalesca, com algumas orquestras nas esquinas Rua do Comércio, o povo se esbaldava, ao mesmo tempo desfilava o corso com automóveis enfileirados. Era imperdível, no mínimo para dar uma olhada nas jovens que se exibiam em carros abertos. Afinal chegava o carnaval no sábado: Viva o Zé Pereira! Viva o Carnaval!
Continuava o corso durante toda noite durante o carnaval, carros e camionetas abertas desfilando em cada esquina, as orquestras tocando para o povo dançar e acompanhar os Blocos de Frevo que entravam na folia desordenadamente na Rua do Comércio… Cerveja, suor e cachaça e uma nega do lado. Nos bairros a animação das troças, dos bois, a Praça Moleque Namorador transformava-se no Quartel General do Frevo.
Depois do corso e de pular na rua, trocava de roupa ou fantasia, era hora dos clubes. Maior rivalidade: sábado e segunda de Carnaval entre o Tênis e CRB; domingo e terça entre o Clube Fênix e late. Não havia hora para parar, o carnaval nos clubes era como se fosse uma grande família. Rodopiando no salão, rápida parada de mesa em mesa, tomando uísque, jovens bonitas para gente namorar e o lança-perfume perfumava o ambiente e o nariz do folião: “Me dá o lenço Mandarim… bote um pouquinho desse cheirinho para mim…”
No final, baile da Fênix, o sol amanhecendo, a banda descia do clube tocando na Avenida da Paz e na praia. Alguns mergulhavam no mar dourado pelo sol nascente enquanto a orquestra tocava: “É de fazer chorar… quando o dia amanhece obriga o frevo acabar, Oh quarta- feira ingrata chega tão depressa só pra contrariar”.
De repente, não mais que de repente um energúmeno prefeito acabou com o carnaval de Rua de Maceió alegando que não podia incomodar o turista, ele visitava para cidade descansar e com essa ideia esdruxula de jerico, simplesmente a cidade de Maceió ficou sem carnaval de rua. Os foliões viajavam em busca de outros carnavais, Maceió parecia uma cidade morta: “Acabou nosso carnaval… ninguém ouve cantar canções… ninguém passa mais sorrindo cantando cantigas de amor… e, no entanto, é preciso cantar… é preciso cantar e alegrar a cidade…”
Até que no bendito ano de 2016, um grupo de amigos criou o Bloco Carnavalesco da Nêga Fulô, homenageando o poema de Jorge de Lima e enaltecendo a beleza da mulher negra. Foi um sucesso o desfile no domingo de carnaval na Orla da Ponta Verde e nos anos sucessivos deixou de ser um bloco solitário. Este ano de 2023 o Bloco da Nêga Fulô arrastou uma multidão, inclusive muitos turistas, na passarela mais bonita do mundo: a Orla da Ponta Verde. Consolidou assim o Carnaval de Rua na belíssima cidade de Maceió, graças ao apoio da Prefeitura (FMAC) e da SECULT AL. Que assim seja nos próximos anos. A nossa geração tem a obrigação de deixar esse legado: o Carnaval é a maior manifestação popular espontânea do povo brasileiro. E Maceió não é cidade sanatório.