Folha História “Barra de São Miguel” Ed nº 89 (11/04/2014)

A Barra de São Miguel

Barra de São Miguel 1920

A Barra do Rio São Miguel é tão antiga quanto o descobrimento do Brasil. Em janeiro de 1501, menos de um ano após o descobrimento, o rei D. Manoel mandou uma expedição, comandada por Gaspar de Lemos, para fazer o reconhecimento da costa brasileira. Chegando ao litoral do Rio Grande do Norte e descendo para o sul, foi nomeando os principais acidentes geográficos, dando-lhe o nome do santo do dia na liturgia católica. Assim temos o cabo de S. Roque, o cabo de Santo Agostinho, no dia 28 de agosto, o Rio São Miguel, no dia 29 de setembro e o Rio São Francisco, o “Opara”dos índios Caetés, no dia 3 de outubro. No dia 1 de novembro, a expedição chegou a Baia de Todos os Santos e em Angra dos Reis, já no dia 6 de janeiro de 1502. Terminada então a chamada “Costa do Pau Brasil”, a expedição seguiu para o Rio da Prata.
Habitavam o litoral alagoano os índios Caetés, que foram dizimados pela coroa portuguesa, após o episódio do naufrágio do Galeão que levava de volta para Portugal o primeiro bispo do Brasil, nos Baixios de D. Rodrigo, em Coruripe. Diz a tradição oral que o que sobrou dos náufragos, inclusive o bispo D. Pero Fernandes Sardinha, foi devorado pelos índios, quando se dirigiam a Olinda, ao chegarem à Barra de São Miguel.
Ainda menina, fomos ver o “muquém” onde provavelmente foi assado o bispo. Por trás da capelinha antiga de Senhora Santana, numa encosta íngreme, a meio caminho da chã, havia um pedaço de terra com vegetação rasteira, onde teria sido o sacrifício de D. Sardinha. São Miguel e Coruripe disputam o título de “Papa Bispo!”
Em 1936 fui pela primeira vez à Barra de S. Miguel. Meu pai encomendou um barco de pesca, nos estaleiros da Barra de São Miguel, especialistas em construção naval.
Em 1937, o “Albatroz” ficou pronto e por causa dele fomos muitas vezes à Barra. Era viagem demorada, do Varrela para a Barra de São Miguel, apesar de estar no mesmo município. Percorria-se um caminho estreito em mata fechada que aos poucos foi sendo destruída para dar lugar à plantação de cana-de-açúcar.
Lá, éramos recebidos por D. Isabel Cavalcanti e seu filho Miriel, em sua casa da praça, que ainda hoje existe em frente à Matriz. A atual praça era quintal de sua casa.
Na primeira viagem de que me lembro, fomos de caminhão com toldo, bancos e colchões. Acampamos em baixo de um frondoso cajueiro que havia na boca do rio Niquim e lá pernoitamos. Já havíamos feito uma viagem igual, ao Pontal de Coruripe e acampado na porta de dr. Castro Azevedo.
Meu pai tinha uma “panela de apito” que ganhou do primo José da Rocha – o dr. Juquinha da Usina Serra Grande. Era a vovozinha da hoje conhecida panela de pressão. Tinha forma de pêra fechada com rosca, a três quartos de altura da base, com uma válvula de pressão no alto. Com o tempo certo de cozimento, ela apitava e nós já estávamos na expectativa: Vai apitar, vai apitar! E o feijão estava pronto.
Juntava gente para ver a panela do dr. Pedro. Nos anos setenta, quando voltamos a freqüentar a Barra, ainda pela estrada primitiva, apareceu o Guabiraba, figura popular e conhecida, que lembrava do dr. da panela que apitava e de suas filhas.
A praia do Gunga era aquele deserto com uma mata costeira coberta de maçaranduba, uma frutinha doce e leitosa, hoje em extinção.
Em 1974, Jacy, seu filho, Fernando José e alguns amigos compraram casinhas de pescadores no arruado do Niquim, próximo à Igrejinha de S. José, junto a Moema. Depois também comprei uma. Foi um começo maravilhoso, o rio Niquim passando atrás das casinhas, fundo e com correnteza. Tomávamos banho o dia inteiro, lembrando dos banhos de rio do Varrela. Subíamos o rio até a lagoa do Niquim, de barquinho, parando nos portos mais conhecidos, nas Perobas e no Cajueiro. Nossa vizinha, Dona Mercedes, contava que seu noivo, que era embarcadiço, entrava de barcaça rio acima até boa distância da foz. Falavam também, ela e Guabiraba, da descida de curimãs da lagoa para o mar, tradicional pescaria do “dia da hora,” nome dado ao dia da Ascensão do Senhor, festa móvel da Igreja, que ocorre na lua nova do mês de maio, data que depende da Páscoa, quando sempre a lua é cheia.
O carnaval era típico das pequenas cidades do interior. As crianças fantasiadas iam para a Praça da Igreja, onde uma bandinha tocava. Resolvemos fazer um bloco carnavalesco, ─ O Pé na Cova ─, que acabava sempre com uma feijoada na casa do Fernando José. O estandarte, a feijoada e o Pé na Cova existem até hoje, desde 1978.
Nessa época, a luz faltava constantemente e a distribuição de água era precária. Construímos em 1981 nossa casa à beira mar, e a água para a construção vinha bombeada diretamente do rio. Foi a terceira casa construída na orla. Só havia uma em Porto de Vaca e a de Múcio Porangaba, próxima da minha.
Neste mesmo ano, 1981, ficou pronta a ponte Divaldo Suruagy, no Pontal da Barra, marcando uma nova era para o turismo e o conhecimento de uma parte do nosso litoral que era desconhecido pela maioria dos alagoanos. A Barra até então era o paraíso particular dos moradores de São Miguel dos Campos. A bela praia do Porto do Francês era completamente selvagem. Lá moravam apenas alguns pescadores. A estrada, tão inatingível quanto a da Barra, era também de terra. Vinha-se pela BR, passando por Marechal Deodoro e vencendo mil obstáculos até chegar à praia.
A Barra de São Miguel, hoje, passou a ser objeto do desejo de muitos alagoanos, de pessoas de outros estados e até de outros países. Sua orla hoje está toda povoada de belas mansões.

Maceió,10 de março de 2006.

Maria Rocha Cavalcanti Accioly
In memorian

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