Vídeo do poema – Interpretado pelo ator Chico de Assis
Insônia
Não! Não!
Não quero ficar nu, na praça, outra vez.
Logo hoje,
dia da festa do glorioso São José!
Tirem-me daqui.
Levem-me para União,
Branquinha,
Serra Grande ou Lajinha.
Tanjam-me com aqueles pombos,
que sujam a igreja
e fazem cocô nas cabeças dos fiéis,
mas, deixem esse pardal,
que ora pousa em meu ombro…
(fazendo me sentir São Francisco de Assis).
Agora,
cânticos de glória ecoam no meu ego.
Poxa! Nem sou tudo isso,
nem sou tão santo assim.
Além do mais,
nunca tive joelhos de beato,
nem o olhar de perdão de São Sebastião
(sou devasso nas emoções).
E o meu canto é mundano.
E desafino, constantemente,
com a poesia que insiste em ser vida.
E somente ela me faz flutuar,
no universo celestial do papel,
por entre nuvens de perdão
e a guilhotina do pecado…
No olhar, é querer muito de um impuro,
maculado de nudez,
com as cores ofegantes do prazer carnal!
Toco-me! Sinto-me!
Agora sei: sou gente.
E como pipoca, na praça enfeitada pro Santo,
o padroeiro, de quem herdei meu primeiro nome.
Chuva fina, é o casamento da raposa!
No céu, um arco-íris se desenha.
Afinal, entendo o milho que se faz pipoca!
A lagarta que se faz borboleta e voa!
E os anjos bêbados que circundam,
de mãos dadas, a torre da Igreja de São Carlos,
cantando boemia,
como figuras flutuantes do Universo de Chagall.
Vejo, em cada anjo, um amigo de infância que se foi,
num olhar umedecido de ontem!
Também não vou passar por baixo do arco-íris.
Dizem que quem passa, vira mulher…
Meus olhos, agora, se alagam de Rio Canhoto,
transbordando nos sulcos do meu rosto,
nestes versos em que me vi criança…
E a brisa macia dos canaviais enche-me
de um cheiro de melaço, nessa manhã lajense,
em que a insônia, triste e baldia,
deu lugar a essa saudade,
a minha poesia!